Intercâmbio de design na Alemanha
09/jul/2013 | | #design
Em 2010/2011 fiz um intercâmbio na Universidade de Ciências Aplicadas de Munique. Havia diversas opções de unis, mas eu escolhi esta porque me apaixonei pelas matérias disponíveis, mais voltadas para arte. Antes do início da aula fui informada que meu curso (Kommunikationsdesign) seria totalmente em alemão, que era exatamente o que eu queria. Para minha surpresa, em um grupo de 150 intercambistas, havia apenas eu que faria este curso. Foi uma verdadeira aventura não ter ninguém conhecido e ainda encarar uma faculdade totalmente em alemão. Só estas histórias renderiam um outro blog, com direito a tirinhas e tudo!
Antes do início das aulas fui informada que deveria ir falar com os professores e montar um cronograma com as aulas que me interessavam. Sempre me lembro do dia que fui conhecer o local e fazer isto. Estava tendo uma grande festa no quintal, com muita cerveja e música. Logo reconheci um dos professores que havia visto no site, e fomos para sua sala resolver meu caso. Logo de cara ele me pediu pra ver meu portfolio. Não entendi direito, mas acessei a internet e mostrei algumas peças que havia no meu email. Na época eu tinha pouca coisa, afinal eu estava apenas no meu segundo estágio. Ele gostou dos trabalhos, mas não entendeu porque eu não havia levado um portfolio mais apresentável, e foi aí que descobri que muitos jovens passam anos fazendo estágios ou trabalhando de graça simplesmente para ter um portfolio para ENTRAR na uni. Ou seja, sem portfolio você sequer pisa lá, sem falar no vestibular, que filtra os melhores alunos desde os dez anos de idade, enfim… Somente as pessoas realmente dedicadas e com alguma habilidade estudam design lá. Montamos rapidamente uma grade para mim, com as seguintes matérias: Fotografia experimental, teoria da fotografia, projeto (tipo um tcc que havia todo semestre), ilustração de nu, ilustração de retratos, ilustração da natureza, perspectiva, logos e tipografia. Acabei largando tipografia (batia com o horário de um curso) e teoria da fotografia. Resumindo, fiz muitas matérias, passava o dia todo na faculdade, praticamente das 7 às 18h, e nos fins de semana participava como voluntária pintando faixas do Greenpeace (e conhecendo pessoas, aprendendo receitas e palavras novas, etc)!
Uma coisa que gosto de destacar quando falo da minha experiência na Alemanha é que as aulas eram TODAS feitas com lápis, papel, tesoura e cola. As aulas de tipografia (que também abordavam diagramação), por exemplo, exigiam que a gente desenhasse um grid e depois cortasse as palavras e diagramasse com as mãos. No fim da aula devíamos colar no grid e entregar para o professor analisar. Havia várias opções de fonte, enfim, um verdadeiro Indesign analógico. Nas aulas de Logo era a mesma coisa, devíamos sempre rabiscar muito muito muito, entregar uma pilha de folhas de rabiscos por aula e por fim no último dia de aula foi a entrega das logo vetorizadas impressas (esta parte não tinha destaque algum nem acompanhamento do professor!).
Minhas aulas favoritas eram as de projeto. Em todas as aulas havia um ambiente artístico e os os alunos bebiam cerveja, vinho, espumante e quentão, mas nas de projeto, era bem diferente. Reuníamos no sótão do prédio da faculdade, que era decorado com livros e diversos objetos antigos e curiosos. Eu me sentava bem no centro, perto dos livros de arte e um carrinho de bebê muito antigo. Por sorte, era na minha mesa também que ficava o quentão! Cada aluno desenvolvia um tipo de projeto, mas todos no mesmo ambiente. De um lado, um menino preparava uma animação no computador. Do outro, um menino fazia rabiscos abstratos em folhas de jornal enquanto bebia espumante sem parar. Uma menina fazia auto retratos com diversos tipos de material, inclusive pintando com quentão. Outra menina fazia uma revista totalmente artística. Um grupo de meninos ilustrava e escrevia livros. Uma vez por semana víamos filmes (sobre Bob Dylan, filmes húngaros, sobre a luz do sol, etc) ou íamos a exposições de arte em Munique ou cidades próximas. Todas aquelas pessoas na minha turma faziam exposições, ou seja, os alunos eram TODOS artistas. Eles não entendiam como eu nunca havia feito uma exposição (problema que resolvi no fim do semestre, quando mandei um cartaz de 1 metro feito com aquarela para uma exposição em Berlin). Sinto muita falta daquele ambiente criativo.
Vale ressaltar que duas vezes na faculdade vi pessoas com cachorros. Eu perguntei se elas tinham alguma deficiência, mas as pessoas riram, e não entenderam minha pergunta. “Você nunca precisou levar o cachorro pra uni ou pro trabalho?” me perguntavam. Resumindo, uma das meninas levou um cachorro agitado e barulhento em uma palestra sobre os projetos do semestre, e a outra levou um dia um pastor alemão, com uma coberta e um pote de água, para a aula de projetos. Ele passou o dia todo lá conosco. Depois, quando fiz estágio, houve também dois casos de pessoas que levaram os cachorros para passar o dia conosco. Achei isso legal smile
Por fim eu fiz um estágio no interior, que por sinal, foi MUITO difícil de conseguir, sofrido mesmo. A maioria dos estágios de design não paga nada na Alemanha, mas você deve trabalhar como um funcionário normal, por oito horas. Após dois meses de viagens e muitas entrevistas, entrei em uma agência de publicidade e eventos no meio da floresta negra. Ainda acho que me contrataram porque gostavam de intercambistas (os outros estagiários eram um turco, uma russa, um vietnamita e um suíço). Trabalhava 8h, e encarava 4h de trem por dia, 2h de ida e 2h de volta (1/3 do salário ia só tem passagens!). O que eu aprendi? Que alemães não têm preconceito com comic sans e que tudo que é organizado funciona melhor.
Brinde para quem leu até aqui: Aqui estão algumas propostas para livretos que fiz na Alemanha, sendo que pus à direita os que foram aprovados. A pior parte sempre era diagramar os títulos gigantes: