Leite de mãe louca

Eu ainda estava grávida quando comecei a ter crises e fui parar na psiquiatra pela primeira vez. Ainda sem diagnóstico (ela exigia um ano de acompanhamento e mais um mês de testagem neuropsicológica), ela me receitou um anti psicótico já de cara. Deu certo e estou nele até hoje, três anos depois, e sem crises já há anos. Esse medicamento me causa hiperlactação e inibe meu ciclo menstrual, porque aumenta a prolactina, mas seguimos em frente. Ruim com ele, pior sem ele. 

Logo que meu bebê nasceu e descobri que não poderia doar leite por causa do medicamento, confusa ainda por não ter um diagnóstico, passando por uma depressão perinatal, fiquei abalada. Comecei a me questionar e falar que meu leite era de mãe louca. No meio disso tudo formulei até uma piada com meu senso peculiar de humor: disse que meu bebê teria uma banda quando fosse adolescente chamada Leite de mãe louca. 

Todas as frases são maldosas e eu deveria guardar em segredo. Não é legal chamar uma pessoa tomando antipsicóticos de louca. Nem uma pessoa autista. Também não é legal falar dessa forma do meu leite. Mas enfim, no meio do desespero, foi a forma que consegui lidar com tudo isso na época, tirando sarro de mim mesma. Afinal eu não sabia o que eu tinha, só a certeza de que estava realmente ficando louca. 

Precisamos falar mais sobre depressão perinatal, maternidade atípica, deficiência. Quanto mais a gente fala, mais gente aprende sobre nós. Mais gente nos lê e nos compreende. Mais gente pode se identificar também. Não somos loucos, somos diferentes. Inclusive entre nós: por exemplo, no autismo, não tem um autista igual ao outro. Mas estamos aqui, dividindo a mesma fila de banco e assentos de cinema como todo mundo. 

Se eu mesma, como mãe autista, tirei sarro do meu leite e me julguei louca, por falta de conhecimento sobre neurodivergência (a ideia que pessoas têm diferentes desenvolvimentos neurológicos, como autismo, dislexia e tdah) e diferentes sofrimentos psiquiátricos, quantas outras pessoas por aí tem chamando gente como eu de louca?