Não é manha
22/jul/2022 | |
Ainda me lembro da vez que pus uma fantasia nele, que ele odiou. Assim que pus ele começou a chorar e falar aiai. Está fazendo manha, alguém me disse. Ignore que ele para, alguém me disse. Ignorei e fiz ele usar a roupa o dia inteiro, mesmo odiando. Só no fim da tarde fui perceber que ele estava com o pescoço vermelho e cheio de marcas porque o zíper da roupa estava machucando. Não era “manha”, era um pedido de ajuda. Ele estava com dor e eu o ignorei sad
Certo dia, toda vez que botava o tênis, ele dizia aiai e tentava tirar. Está fazendo manha pra por o tênis, alguém me disse, só ignorar e pôr o tênis. Lembrei do dia da fantasia e não consegui ignorar. Nesse dia deixei ele descalço mesmo. Qualquer menção ao tênis ele falava aiai e apontava o pequeno pé. Só fui descobrir à noite, na hora do banho, um pequeno corte na lateral do seu dedo do pé. Ele estava realmente com dor para usar qualquer calçado.
São histórias assim que me levaram a odiar a palavra manha. É muito fácil chamar de manha quando a sensação de frustração, dor ou desconforto não é sua. Entendo que muitas vezes os motivos dos bebês podem ser esquisitos: não gosto desse tênis, hoje quero sair de bota. Também entendo que ainda somos os adultos da relação e temos o poder de forçar que eles usem esse ou aquele calçado ou roupa, parem de ver TV, tomem banho, sentem na cadeirinha do carro etc.
Hoje quando ele “faz manha” observo atentamente se ele não está com algum desconforto. E quando não encontro nada estranho, entendo que é apenas ele me comunicando algo como sono, fome, frustrações, vontades e desejos. Entendam que devemos acolher e permitir que eles expressem suas sensações, mesmo que a gente não goste e esteja sem saco muitas vezes.
Nós adultos também temos dias em que estamos sem vontade de comer legumes, ou com preguiça de tomar banho, ou muito animados com um programa de TV e não queremos desligar. E claro, dias em que preferimos usar um calçado e uma roupa específicos, de preferência que não machuquem.