Publicidade

Por que não falo do meu parto


03/out/2021 | Anielle Casagrande | #

Eu tive o pré-natal dos sonhos, falo com tranquilidade. Estudei muito para ter um parto normal, estava super informada e pronta para não cair em nenhuma violência obstétrica, e na minha opinião não caí. Tinha um ótimo plano de parto, mesmo tendo toda uma equipe, caso caísse com plantonista por algum motivo. Fiz até um plano extra só com instruções para o marido, como “ofereça água, mas não insista muito”. Gastei dez mil reais, tinha a melhor obstetra humanizada da cidade, uma doula fisioterapeuta maravilhosa com quem fiz sessões de fisioterapia pélvica me preparando para o parto normal, e até uma fotógrafa de parto. A maternidade era particular e tinha até banheira disponível. Então por que não gosto de lembrar e muito menos de falar do meu parto? Espero não assustar ninguém, mas enfim, esse é meu relato de parto. Precisei de muita coragem para relembrar tudo e finalmente escrever.

Nicolas não queria nascer, então com 41 semanas fui para a maternidade fazer uma indução com ocitocina. Já estava sabendo que ia ser punk, que a dor ia ser monstruosa e tudo isso, mas pensei que ia dar tudo certo porque estava calma, bem informada e tinha uma equipe dos sonhos. Acontece que eu descobri nesse dia que tenho pavor de acessos, que não consigo tolerar a dor de uma indução e que me dá desespero passar por uma cirurgia de médio porte acordada sentindo tudo. Eu li muitos relatos de parto mas só de parto normal sem intervenções, então não estava pronta para nada disso. Geralmente quem fica em estado de choque não sai escrevendo relato de parto, então só tinha lido histórias felizes, por mais difíceis que fossem algumas. Esse relato não é feliz. Se estiver grávida pare de ler.

Dei entrada e fui para o quarto às 17h. O tempo foi passando e nada de contrações. Eu estava pra lá de chateada com aquele acesso: não conseguia mexer o braço porque sentia um grande desconforto e medo dele sair do lugar e terem que me furar de novo. Fiquei o tempo todo com o corpo e o braço paralisados, sem mexer. Então foi muito desconfortável pra mim tentar usar a bola de pilates, o banho de chuveiro, mudar de posições etc. Eu até tentei, mas foi insuportável. Nem tentei andar no corredor. Eu tinha lido o livro do Parto Ativo e esperava ter um parto ativo de verdade, mas só consegui ficar deitada de barriga pra cima paralisada com desconforto e medo.

Em determinado momento estouraram a minha bolsa e começou o trabalho de parto efetivamente. A dor que era pra ter aumentado aos poucos ao longo de muitas horas, começou direto no nível máximo. Tenho péssimas lembranças dessa dor: foi com certeza a pior dor da minha vida inteira (e olha que tenho crise renal recorrente, tive por 10 dias uma no mês que engravidei mesmo). Pra piorar era uma dor contínua, eu mal conseguia falar entre as contrações, porque era uma atrás da outra. Eu já estava paralisada pelo acesso e quando a dor veio com tudo, eu só conseguia chorar de desespero. Eu só sabia pedir pra alguém acabar com aquilo logo pra mim! Repetia esse frase igual um robô “alguém faz isso parar?” e chorava. Acho que o nome disso é “estado de choque”.

O momento mais assustador da minha vida inteira

Eu tenho certeza que se essa dor tivesse começado naturalmente, espaçada e aumentando de intensidade aos poucos eu teria aguentado bem melhor. Mas infelizmente começou direto muito forte e praticamente sem intervalos. E por causa do acesso não consegui me movimentar livremente, o que só piorou tudo. Pra piorar, mais tarde o acesso saiu do lugar (e minha mão inchou e senti muita dor) e tiveram que fazer um novo. O primeiro era na mão (bem na dobra entre a mão e o punho) e o segundo foi exatamente na dobra interna do braço. Sinceramente, não sei o que foi pior. Sem falar que a cada movimento eu sentia o acesso lá dentro e me dava dor e desespero. 

Era quase meia noite quando tive a analgesia negada e fui direto para a cesariana. Lembro que me prometeram que as contrações acabariam assim que tomasse a analgesia e eu estava tão ansiosa por isso que fiquei bem quietinha para ajudar o anestesista. Assim que a cesariana começou, entrei em pânico porque estava sentindo tudo. Sim, você sente tudo, mas não sente dor. Passei a cesariana toda gritando que estava sentindo tudo e eles precisavam parar. A doula, que era uma pessoa muito atenciosa, tentava me acalmar, mas eu estava em pânico e não tinha nada que ela podia fazer. Como eu estava com o acesso, não podia mexer o braço, de novo, mas dessa vez foi porque não podia mesmo por causa do aparelho de pressão.

Passei a cesariana toda com um aparelho de medir pressão exatamente em cima do novo acesso no meu braço, que ligava e desligava sozinho a cada poucos minutos. Fiquei o tempo todo sentindo dor quando ele ligava, inflava e apertava o acesso. E pra fechar o pacote, no teto tinha uma luminária prateada brilhante que funcionava como espelho, onde era possível eu ver tudo. Tiveram que tampar meus olhos com um pano, senão eu veria minha barriga aberta e iria desmaiar de desespero. Então eu estava aterrorizada, com dor no braço, sentindo abrirem minha barriga, gritando que estava sentindo tudo e com os olhos vendados. 

Eu, Nico, o acesso e o aparelho de pressão BEM EM CIMA do acesso
Eu, Ivan, Nico e o acesso

Quando vi meu bebê pela primeira vez eu não estava nem um pouco feliz: estava aterrorizada. Odeio ver as fotos desse momento e de todos os outros desse dia, porque eu estava chorando, e as pessoas acham que é de felicidade. Por sorte a doula era uma pessoa muito carinhosa e atenciosa, que colocou ele para mamar (e eu continuava sem poder mexer o braço por causa do acesso) e lembrou de levar a placenta para o congelador do quarto. Na hora de fecharem minha barriga, mais desespero, pois senti tudo novamente e voltei a gritar para pararem porque eu estava sentindo tudo. Quando acabou, fiquei sozinha no corredor chorando e esperando a hora de ir para o quarto. Pensei que indo pro quarto estaria livre do acesso e poderia pegar meu bebê, mas não foi o que aconteceu. 

Passei o dia seguinte inteiro com o acesso na dobra do braço, que me deixou aterrorizada, com dor e sem conseguir dobrar ou mexer o braço de desespero dele sair do lugar e eu ser furada pela terceira vez. Claro que meu braço inchou inteiro e doía horrores, porque o acesso saiu do lugar de novo. Uma enfermeira que veio olhar disse que os dois acessos foram colocados errado pela enfermeira jovem e por isso eu sentia dor e por isso eles saíram do lugar. Resumindo, eu não consegui segurar meu bebê enquanto estava na maternidade. Meu marido trocou, deu banho, fez dormir e colocou pra mamar.

Fiquei literalmente paralisada o tempo todo, na mesma posição, de barriga pra cima, em choque. Exceto nos momentos ainda no primeiro dia (sendo que ele nasceu à meia noite) que me obrigaram de forma grosseira a subir e descer dois andares da maternidade e também tomar banho ainda pela manhã, momentos de mais terror, que minhas amigas que fizeram cesariana também em 2020 em outro países não relatam. Quando falei que estava com muita dor no corte, me convenceram que era só comprar um cinta (todos sabem que isso NÃO é indicado) por 400 reais. Meu marido, desesperado, comprou mas eu nunca usei.

Em momento algum veio alguém no quarto ver se o bebê estava bem, ou com calor ou frio, ou ver se estava mamando bem, ou se precisávamos de ajuda. Quando fui na salinha da amamentação procurar ajuda, a enfermeira disse que meu mamilo era duro demais (oi???) e eu não conseguiria amamentar, e invés de me ajudar, me mandou voltar para o quarto. O pediatra de plantão era uma pessoa fria, seca e grossa que não pediu que medissem a glicemia do bebê em momento algum mesmo eu tendo tido diabetes gestacional. A nossa pediatra atual desconfia pelos sinais que Nico teve hipoglicemia quando nasceu e podia ter tido sequelas. Ninguém na maternidade mediu nada ou percebeu, mesmo a gente ligando várias vezes pro berçário relatando sintomas estranhos no bebê (ninguém sequer veio no quarto ver). Quando pedi para medirem a glicemia do bebê, falaram que só com requerimento do pediatra. Se puder pagar, leve um pediatra para seu parto. 

Meu sonho dourado era parir no sus, na maternidade bairro novo em Curitiba, mas ela estava fechada devido à pandemia. Escolhi essa maternidade achando que seria bem cuidada e sinto que não fui em nenhum momento. 

Estou há dez meses tentando lidar com meu parto com ajuda da minha psicóloga perinatal mas é muito difícil pra mim relembrar o dia do meu parto e todos os medos que senti. Chego a sentir toda a angústia novamente, então é um assunto que acabei escolhendo deixar pra lá, até porque é algo que não posso mudar.

E é por isso que eu tenho completo pavor de falar do meu parto e não consigo nem olhar as fotos, apesar de a fotógrafa ter feito um trabalho incrível.

#

Publicidade
^