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Puerpério e penumbra


17/jan/2022 | Anielle Casagrande | # #

Quando meu bebê nasceu, passei a ficar com ele fechada no quarto enquanto ele dormia das 19h até de manhã. Vejam bem, eu nunca tinha sido mãe antes e mesmo tendo câmeras eu queria estar lá, ao lado dele, caso esse chorasse. Então eu passava mais da metade do dia com ele num quarto escuro com cortinas fechadas. Foi nessa época que comecei a ler muitos livros no Kindle Paperwhite. Li muitos do Chico Buarque, para tirar a cara do tema da maternidade.

Nessa época ele fazia sonecas mamando no sofá da sala, então comecei a manter as cortinas lá também sempre fechadas, afinal recém-nascido dorme o dia todo. Então eu passava o dia todo com ele na sala escura e depois ia pro quarto escuro. Simplesmente não via mais motivo em abrir as cortinas e “arriscar” atrapalhar uma possível soneca. Vivia no escuro de dia e de noite. Dá pra perceber isso nesse texto sobre uma foto que representa meu puerpério, inclusive.

Quando ele ainda tinha um mês de vida, mudamos para um apartamento que tinha vista para outros apartamentos. Na primeira semana percebi um outro apartamento que mantinha sempre as cortinas fechadas e tive a certeza que ali tinha uma mulher sozinha no escuro com um recém-nascido. Não deu outra: dias depois percebi que estava certa. O marido saía pra trabalhar e ela passava o dia sozinha com o bebê. Via ela nos raros momentos que ela aparecia na sacada com o bebê com seu olhar exausto. O problema é que não era um recém-nascido e sim um bebê de mais de um ano. 

Aquela mulher tinha ficado presa na mesma escuridão que eu estava fazia um mês, mas por mais de um ano. Morei lá por mais de meio ano e nunca vi suas cortinas abertas. Dávamos tchauzinho uma pra outra quando estávamos as duas na sacada, sem nunca termos conversado ou nos visto de perto. Nossos olhares faziam uma ponte entre nossas solidões.

Rapidinho percebi que era a hora de abrir as minhas cortinas, deixar a luz entrar, ver as outras pessoas em suas janelinhas e principalmente lembrar da vida lá fora. Parei de ficar com o bebê do anoitecer ao amanhecer no quarto escuro e comecei a colocar ele pra fazer as sonecas no quarto, e só então fechava as cortinas. As coisas ficaram menos sombrias e solitárias no meu puerpério pandêmico. 

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