Um olhar afetuoso sobre o parto
11/out/2021 | | #parto
Parto é um negócio intenso, paralisante, assustador mesmo. Seja qual for a via de parto, o tempo que durou, onde foi… parto é sim um negócio de outro mundo e que vai de uma forma ou de outra ser chocante. Seja através de uma criança “simplesmente” (com aspas porque de simples não tem nada) saindo de dentro de você de forma natural, seja através de uma cirurgia de médio porte com pós-operatório chatíssimo (a sensação é de ter literalmente levado uma facada na barriga). Parto é um treco tão marcante que você vai lembrar e falar dele pro resto da sua vida.
Então a experiência do parto sempre será algo até meio animalesco, principalmente se você entrar em trabalho de parto, que inclusive é o mais recomendado pela saúde do bebê. Mas isso é até meio óbvio, essa é inclusive a imagem que todos têm de partos: algo intenso. O que pouca gente comenta é a distância (eu diria que de plutão ao sol) que existe entre o parto real e o parto que idealizamos.
O parto que idealizamos é difícil, é dolorido, é assustador, pode até acabar em cesariana, mas é só isso. O parto real é cheio de detalhes que nos deixam por meses ou anos pensando, por mais “perfeito” que tenha sido (existe parto perfeito?). Será que teria sido diferente se não tivessem furado minha bolsa para apressar as coisas? Como teria sido se eu tivesse pago uma banheira? E se eu tivesse tentado um parto domiciliar? E se tivesse levado outro acompanhante? E se tivesse uma doula comigo? E se não tivesse permitido essa ou aquela violência obstétrica? E se tivesse estudado melhor sobre violência obstétrica? E se tivesse uma obstetra particular? E se fosse uma maternidade do sus famosa por ser humanizada?
E se tivesse ido parir sozinha numa caverna? Sem acesso, analgesia, cesariana… Confesso que até nisso já andei pensando no auge da divagação, porque meu parto foi muito traumatizante e não gosto de lembrar nem de rever as fotos.
Eu passei a gravidez inteirinha (longos dez meses) lendo muitos relatos de parto normal todos os dias num grupo de facebook. E acreditem. Não importa o desfecho, que por sinal nesse grupo era quase sempre ótimo: o sonhado parto normal, o caminho até ele é sempre recheado de detalhes inesperados. Se alguém me falasse que eu ia descobrir no dia do parto que tenho pavor de acesso e isso ia me deixar paralisada, eu mesmo não iria acreditar ou acharia que isso é algo muito pequeno diante da intensidade de um parto. Se me falassem que a ocitocina e a bolsa estourada fariam as contrações beirarem o insuportável, eu também não teria noção que isso é sim algo enorme. A gente nunca tem como pensar em detalhes.
Por isso eu acho que devemos olhar para nosso parto, seja ele como for, de forma afetuosa. Afetuosa com a mulher que estava ali diante de um grande objetivo que no final é algo solitário: ela sozinha sentirá todas as dores de trazer seu bebê ao mundo, e mais ninguém. Aquela mulher estava assustada, e talvez tomou algumas decisões que hoje se arrepende, mas com certeza fez o melhor que podia naquele momento. É sobre isso que eu queria escrever hoje.